segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

NASF


 NASF
De forma geral, o NASF deve buscar, junto às EqSF's, a concretização do cuidado integral, a partir da qualificação e complementaridade das ações de promoção, prevenção, assistência e reabilitação em saúde e a organização e coordenação da rede de cuidados, com vistas ao acompanhamento longitudinal dos usuários, aumentando a resolutividade e diminuindo os encaminhamentos a outros níveis de atenção (BRASIL, 2008, 2009b).
Estão organizados em duas modalidades: NASF 1 e NASF 2. O NASF 1 pode ser composto por equipes de no mínimo 5 profissionais, que apoiam entre 8 e 20 EqSF's, exceto nos estados da Região Norte, onde o número mínimo de EsSF's passa a ser 5. Já o NASF 2 é composto por no mínimo 3 profissionais, não sendo prevista a presença de médicos e está vinculado a no mínimo 3 EqSF´s. Em decorrência da magnitude epidemiológica dos transtornos mentais recomenda-se que cada equipe contemple ao menos 1 profissional desta área (BRASIL, 2008).
Entre as atribuições dos profissionais do NASF estão: conhecer e articular os serviços existentes no território promovendo a intersetorialidade; conhecer a realidade das famílias residentes na área adscrita, nos seus aspectos econômico, social, cultural, demográfico e epidemiológico; identificar, em conjunto com a comunidade e a EqSF, o público prioritário para o desenvolvimento das ações e a abordagem a ser adotada; prevenir e promover a saúde por meio de ações educativas; promover ações interdisciplinares junto as EqSF´s, por meio de discussões periódicas, visando uma abordagem coletiva (BRASIL, 2008, 2009b).
As áreas estratégicas para atuação do NASF estão organizadas em torno de nove temáticas: saúde da criança/do adolescente e do jovem; saúde mental; reabilitação/saúde integral da pessoa idosa; alimentação e nutrição; serviço social; saúde da mulher; assistência farmacêutica; atividade física/ práticas corporais; práticas integrativas e complementares (BRASIL, 2009b).
A principal metodologia de trabalho utilizada pela equipe NASF é o matriciamento, que tem como objetivo assegurar retaguarda especializada às EqSF's. Este apoio pode acontecer de duas formas: a primeira se dá a partir da oferta de assistência especializada ao usuário nas situações de maior complexidade, após pactuação entre EqSF e NASF; e a segunda se dá pela oferta de suporte técnico pedagógico. Esse suporte ocorre, prioritariamente, de duas maneiras: a partir do desenvolvimento de intervenções compartilhadas entre profissionais do NASF e da EqSF - atendimentos na unidade, visitas domiciliares, grupos na unidade de saúde ou na comunidade - e a partir da troca de informações e orientações entre eles, seja sobre um caso especifico, seja sobre uma problemática apresentada pela EqSF (CAMPOS; DOMITTI, 2007; BRASIL, 2008, 2009b).
As abordagens são acordadas em reuniões com a presença de profissionais das duas equipes. A freqüência destes encontros é negociada entre as equipes onde as EqSF apresentam casos considerados mais complexos e que necessitam de apoio especializado (BRASIL, 2008).
Os resultados esperados estão relacionados à ampliação do trabalho e a melhor resolutividade das situações de maior complexidade já desenvolvido pela EqSF. Espera-se ainda, diminuir a fragmentação dos processos de trabalho e do cuidado oferecido (BRASIL, 2008, 2009b).
Os Processos de Trabalho na ESF e no NASF: comple-mentaridades e contradições
Devido ao tempo de implantação, a ESF tem estratégias de ação e processos de trabalho mais consolidados, incluindo documentos norteadores, que discriminam as atribuições específicas de cada profissional e o tempo que deve ser utilizado em cada ação. Já os documentos referentes ao NASF, apresentam orientações genéricas das ações a serem desenvolvidas sem discriminar com clareza os processos de trabalho a serem empregados. Essas diferenças nas atribuições das duas equipes podem estar criando processos de trabalho conflituosos e até mesmo contraditórios.
A utilização da metodologia do apoio matricial pretende ampliar a compreensão sobre o processo saúde-doença a partir da escuta e integração de diversos saberes e práticas, favorecendo, inclusive, a operacionalização de um paradigma que compreenda estes processos de forma mais complexa. Contudo, a implementação desta prática depende de uma nova postura profissional, pautada pela ética do cuidado e do compromisso com os princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 2009b).
A metodologia do apoio matricial está prevista desde o inicio das ações do projeto Qualis e é a base para o desenvolvimento do trabalho do NASF. Contudo, trata-se de uma proposta inovadora no campo da saúde e sua implantação varia de região para região e não conta com processos de trabalho definidos e sistematizados. Desta forma é possível que, no cotidiano das práticas, os profissionais se deparem com dificuldades distintas para a operacionalização da proposta (CAMPOS; DOMITTI, 2006).
A primeira dificuldade, de âmbito estrutural, se refere às diferentes formas de organização do trabalho da EqSF e do NASF que, no entanto, devem atuar de forma compartilhada (PMSP/SMS, 2009). Enquanto no NASF está previsto que os trabalhadores destinem a maior porcentagem das suas horas de trabalho em ações tais como, reuniões, consultas, visitas domiciliares e grupos compartilhados com EqSF, os trabalhadores da EqSF, sobretudo os profissionais de nível superior, têm a maior parte das suas horas de trabalho voltadas para o desenvolvimento de um elevado número de consultas individuais. A título de exemplo, o médico, para dar conta da meta prevista pelo programa, de 400 consultas mensais, precisa realizar consultas individuais de, em média, 15 minutos (PMSP/SMS, 2005, 2009; CAMPOS; DOMITTI, 2006).
A segunda dificuldade, que interfere no trabalho das duas equipes, decorre da inter-relação entre o excesso de demanda e a carência de recursos. Pela precariedade da rede assistencial e dificuldade de encaminhar casos de maior gravidade, os trabalhadores do NASF podem sentir-se pressionados pela população, pelas EqSF´s e pelas demandas que presenciam, a desenvolverem ações de forma ambulatorial, especializadas e individualizadas. A utilização do apoio matricial tem como potência a qualificação e identificação das prioridades de atendimento especializado, contudo, na ausência de uma rede de suporte que assegure a continuidade dos atendimentos em níveis de maior complexidade corre-se o risco de se ceder a essas pressões.
A terceira dificuldade diz respeito à presença de Organizações Sociais na gestão de serviços públicos, processo validado no âmbito Federal e largamente implementado em São Paulo (BRASIL, 1998). Essa forma de gestão termina mesclando o caráter público e privado dos serviços oferecidos, criando situações de trabalho heterogêneas a depender da parceira envolvida. Essa heterogeneidade de praticas profissionais nas diferentes regiões da cidade pode dificultar a criação de uma cultura comum entre as várias equipes comprometendo a troca de experiências e a consolidação das políticas públicas.
Soma-se a isso a precarização dos contratos de trabalho dos profissionais vinculados a estas instituições parceiras e a falta de padronização dos processos seletivos, salários e condições de trabalho.
A quarta dificuldade diz respeito à existência de um documento norteador que define de forma frágil as atribuições dos diversos profissionais que compõem as equipes do NASF. A pouca prescrição do trabalho aliada a falta de uma cultura de trabalho interdisciplinar e de uma experiência acumulada nesse tipo de serviço, favorece que cada segmento atue isoladamente, que aja segundo seu lugar específico de saber, advindo dos processos de formação profissional compartimentalizado. Essa situação propicia ainda atuações arbitrárias advindas de diferentes compreensões do processo saúde-doença, tais como, ações voltadas para aspectos orgânicos dicotomizadas dos aspectos psíquicos e/ou sociais; ações de caráter mais curativo em detrimento de ações de promoção a saúde.
Além disso, ou justamente em função do exposto, tudo indica que pode ocorrer nas equipes do NASF uma certa indiscriminação do perfil da clientela alvo, dos objetivos principais do trabalho, cabível para as equipes, para cada um dos profissionais e para os diferentes serviços. Da mesma forma, é de se esperar que uma prescrição e trabalho tão vaga deixe os vários profissionais, e o terapeuta ocupacional em particular, em conflito sobre o trabalho a ser realizado, e das prioridades e especificidades de sua ação.
Inserção do Terapeuta Ocupacional no NASF: proble-matizando um novo perfil profissional
Em maio de 2010 existiam no país, 1165 NASF's em funcionamento, abarcando 6895 trabalhadores. A meta até o final do ano de 2011 é de que 1500 NASF's estejam implantados. Em relação a São Paulo, dados referentes mesmo período mostram que existiam 48 NASF's do tipo II em funcionamento (BRASIL, 2010b,c).
Ainda em relação ao mesmo período, no país existiam aproximadamente 300 Terapeutas Ocupacionais inseridos nos NASF's. Trata-se, portanto, de um dos principais campos de trabalho para esses profissionais (BRASIL, 2010b).
Desde a implantação do projeto QUALIS, o Terapeuta Ocupacional já atua na atenção primária em saúde, a partir de duas grandes áreas: Reabilitação e Saúde Mental. Contudo, a proposta do NASF traz a necessidade de um profissional generalista, afinal todos os profissionais do NASF devem apoiar as EqSF's em demandas distintas que sejam relevantes nos territórios específicos de ação: desde saúde da mulher, gestante, criança, até a saúde dos idosos, questões de violências, entre outras.
Nesse contexto, qual é a contribuição do Terapeuta Ocupacional? Como pensar e desenvolver suas práticas neste nível de atenção?
De forma geral, o cotidiano, o trabalho no território e o fomento dos processos de inclusão social são compreendidos enquanto objetos de ação dos Terapeutas Ocupacionais na Atenção Primária e, conseqüentemente daqueles profissionais inseridos em NASF's (JARDIM et al., 2008).
Entretanto, diante de atribuições tão semelhantes com as demais profissionais e com a fragilidade de prescrição contida nos documentos norteadores, como discriminar a especificidade do trabalho do Terapeuta Ocupacional e afirmar seu lugar? Ou ainda, diante das carências de serviços no âmbito da atenção secundária e terciária, o que dificulta o acesso da população a estes níveis de atenção, como direcionar seu trabalho? E, nesse caso, como oferecer um atendimento especializado sem os recursos apropriados?
Os terapeutas ocupacionais vivem assim o seguinte dilema: direcionar seu trabalho para ações de promoção a saúde e desenvolver estratégias de matriciamento visando a construção de projetos coletivos com as EqSF ou, realizar atendimentos individuais de casos considerados graves. Se, as atividades de matriciamento são consideradas como as principais e aquelas que garantirão, a médio prazo, mudanças mais efetivas nas práticas assistenciais, as necessidades prementes de pessoas por atendimento individual, na ausência de serviços secundários ou terciários na rede de atendimento, leva esses profissionais a terem que dividir seu tempo e atenção. Destaca-se, ainda, que os profissionais, não dispõem de recursos materiais para desenvolver praticas de reabilitação que, nesse caso, acontecerão necessariamente de forma precária e improvisada.
O pouco tempo de existência do NASF, a novidade dessa forma de atuação para os terapeutas ocupacionais, a falta de práticas consolidadas onde possam se espelhar e a pressão por atendimento individual de populações desassistidas em outros níveis de atenção, deixa esses profissionais sem respaldo e mal aparelhados no seu cotidiano de trabalho, sem parceiros nem recursos para criarem uma prática em terapia ocupacional que faça avançar a sua atuação nesse importante projeto nacional.

A implantação dos NASF tem acontecido de maneira irregular, sem processos de capacitação apropriados, com má definição de papéis, com processos de trabalho por vezes conflituosos com as EqSF's de quem necessitam ser parceiros e sem contar com experiências já consolidadas que embasem as práticas profissionais. Não é de se estranhar que as equipes se sintam sobrecarregadas e mal preparadas para responder as varias demandas apresentadas pelos usuários, pelas EqSF´s e pelas carências do sistema de saúde.
Trata-se de um importante campo de trabalho para os Terapeutas Ocupacionais, que, ao longo de sua história já trazem experiências significativas na Atenção Primária em Saúde. Fica, então, o desafio de fazer a interlocução da proposta apresentada nos documentos norteadores do NASF com os distintos interesses e situações reais que se colocam nas vivências práticas do trabalho para os profissionais.

DO AMIGO EDY!

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